17 de maio de 2012

Amanhã é agora

Uma das principais causas de erro é o que chamamos delusão. O indivíduo em estado delusório agarra-se a crenças falsas mesmo quando tudo à sua volta grita o contrário, mesmo quando são evidentemente falsas ou, sobretudo, se são evidentemente falsas. É o caso da racionalidade na base das teorias dos economistas e da maioria dos políticos com carreira nas máquinas repressivas do estado (onde se incluem os partidos), que contra toda a evidência constroem os seus modelos e apresentam as suas “inevitabilidades” apoiados numa pseudo-ciência fabricada a partir de Hobbes e Malthus: o homem é o lobo do homem, em guerra permanente de todos contra todos na disputa dos recursos disponíveis. Daí que o capitalismo seja apresentado como a maior garantia de liberdade (o modo de organização da sociedade mais próximo da natureza humana) e o estado polícia como a única garantia de paz.

Ora, é hoje óbvio (excepto para economistas e políticos profissionais) que a tendência para a cooperação é biológica - dois exemplos: (1) os lobos caçam em grupo e, na caçada, movimentam-se em função da presa, mas também em função uns dos outros e (2) as formigas regurgitam para alimentar outras formigas que lhes peçam comida - emergindo sempre, sobretudo nas condições de maior adversidade, apenas porque a cooperação é uma vantagem adaptativa.

Também a disputa impiedosa pelo controlo dos recursos é mítica e ideológica. A tendência natural observada face à escassez de comida (mesmo entre os humanos) tem um nome diferente de guerra, chama-se migrações. Quem faz a guerra em África são os lacaios das multinacionais e os traficantes, e esses não passam fome. As populações destruídas pela gula de uns quantos mercadores ou atingidas por flagelos naturais como a seca emigram, procuram alcançar a Europa, preferindo enfrentar a morte no mar ou as leis/barragem decretadas pelos mesmos que lhes tornam a vida impossível nos seus lugares de nascimento, a matarem-se uns aos outros (antes recolhendo os poucos recursos para permitir a viagem daquele que emigra).

É também aqui que radica a tendência para a moralidade (não é para o moralismo). É considerado moral o que tem a comunidade como intenção, o que a preserva e fortalece, e os diferentes códigos morais mostram apenas diferentes modos de perceber a realidade. Em todas as comunidades humanas é condenada a dor desnecessária, mas em todas é aceite o sacrifício de um ou vários dos seus membros quando se pensa resultar daí um bem maior, o bem de toda a comunidade. É por isso que aceitamos a guerra, como antes aceitámos o lançamento de uma virgem num vulcão. É por isso que em algumas tribos foram observadas práticas sistemáticas de eutanásia. E também por isso tendemos a votar ao centro, mesmo quando se desloca mais para a esquerda ou mais para a direita, porque consideramos nas nossas escolhas aquilo que pensamos poder ser aceite pelo maior número e, logo, o que melhor garante a coesão da comunidade. Igualmente por isso consideramos as desigualdades sociais intoleráveis, porque elas fragmentam a comunidade e enfraquecem os seus membros, cuja potência individual aumenta com a cooperação.

Por tudo isto os economistas nunca acertam (excepto naquilo em que qualquer de nós igualmente acerta) nem compreendem que as pessoas não queiram concorrer entre si até ficar só um ou não queiram aceitar qualquer trabalho por qualquer paga. Nem mesmo aceitem entrar na louca espiral de destruição a que chamam empreendedorismo. Que não aceitem chamar à acumulação de lixo, à destruição do planeta e à infelicidade e à doença avanços da humanidade, progresso real. Só eles não vêm as contradições do que afirmam ou das receitas que prescrevem.

O capitalismo não produz riqueza mas lixo, montes de lixo e muita miséria!

Quem não faz não aprende. Quebrar a delusão não decorre da leitura de textos como este, que são aplaudidos por quem já concorda com eles mas que raramente afectam as crenças dos deludidos (eles são parte do seu próprio problema). Quebrar a delusão exige práticas sociais que possam ser reconhecidas como libertadoras e moralmente aceites, que possam ser reconhecidas como garantia de felicidade e coesão da comunidade. Práticas sociais que recusem e denunciem as absurdas ordens que a Ordem dominante nos dá. É preciso consumir de outro modo, produzir de outro modo e construir relações pessoais e sociais na base da liberdade e da cooperação.

PS.

Um dos meus amigos presenciou este caso extraordinário: viu uma gata sua ser atacada e afugentada por um bando de pardais quando tentava atacar um ninho com pardalitos recém-nascidos. Os pardais reagiram ao pedido de ajuda da mãe, reuniram um bando e atacaram a gata, que teve de fugir.

António A. Poeiras

0 comentários :

Enviar um comentário