12 de fevereiro de 2012

Um plano muito, muito malvado


Esta é uma das histórias que gostaríamos que nos tivessem sido contadas quando éramos pequenos. Por estranho que pareça, ou não, uma história com algumas ideias e constatações simples que a maioria das pessoas acharia sensatas, mas que foi "desaconselhada" de ser contada em algumas escolas. Recomenda-se, portanto, a leitura às crianças desta e de outras histórias com a mesma natureza, de preferência antes que entrem nas jotas. Mais tarde vão agradecer.

(desenho de José Pedro)
Um plano muito, muito malvado

O rei dava voltas e voltas à roda da mesa, enquanto pensava. Via o seu povo triste, macambúzio, trabalhando as terras sem entusiasmo, de cabeça baixa, sem nunca sorrir. Ele, o rei, gostava de pessoas alegres, não podia ver assim tanta gente triste... Ele gostava de alegria.
– Chamem o meu conselheiro – gritou aos seus lacaios.
Quando chegou o conselheiro, um homem já muito velho, curvado, de longas barbas brancas, o rei perguntou:
– Que hei-de eu fazer para que o povo trabalhe alegremente?
– Eles plantam batatas. Em dez, uma é para eles, que são muitos, as outras nove são para Vossa Majestade. É por isso que andam tristes. Se plantassem menos teriam mais tempo para rir, para brincar e fazer outras coisas.
– Hum,... Mas se eles ficassem sem nenhumas batatas, ficariam com fome e não teriam forças para trabalhar...
– Mas, Vossa Majestade, Vós sois só um, para que quereis tantas batatas? Se ficásseis apenas com as que comeis...
– Não!! – o rei já estava a ficar irritado com o conselheiro – e o resto da corte, que iria comer? Que iriam comer os soldados?
– Vossa Majestade, para que quereis Vós tantos soldados? Se eles não fossem soldados estariam a cultivar a sua comida e assim eram menos batatas que os agricultores teriam que plantar... Menos batatas, mais tempo para brincadeiras, mais felizes andavam. Pensai nisso, Majestade... Por outro lado, os soldados também andariam felizes e contentes. Isto de andar em guerra a torto e a direito não deixa ninguém feliz...
– Um Reino sem soldados? Temo que o meu conselheiro esteja doido. Um Reino sem soldados – repetia o Rei, continuando às voltas à mesa – éramos logo invadidos pelo rei vizinho, que anda desejoso de pôr cá a pata...E como mantinha a ordem?
– Majestade, se não parais de dar voltas à mesa, o tapete vai-se romper – avisou o conselheiro, já tonto.
– Oh meu Deus! O meu tapete persa... O último carregamento foi pirateado pelo maldito pirata perna de pau, olho de vidro, e cara de mau. Só já tenho novecentos e noventa e nove tapetes, em armazém...
– Majestade para que quereis tantos tapetes? Pensando bem o pirata perna de pau, olho de vidro e cara de mau tem o mesmo direito que Vossa majestade... Ou seja, nenhum... A bem da verdade, os tapetes pertencem a quem os faz.
– Conselheiro!!!!!!!!!!! Estais louco. Primeiro, quereis que os agricultores plantem menos batatas, depois, quereis que deixe de ter soldados e agora, dizeis que o pirata tem o mesmo direito que eu? Eu sou um REI. Ouviste bem? Um REI – gritava o Rei, totalmente enfurecido com o conselheiro. Soldados, soldados, levai o conselheiro e cortai-lhe a cabeça. Para que serve um conselheiro que dá conselhos estúpidos? Cortai-lhe a cabeça imediatamente.
Vieram os soldados e levaram o velho conselheiro. No caminho, um dos soldados mais jovem disse:
– E se não matássemos o velho conselheiro? Não me pareceram nada estúpidos os seus conselhos...
– Tu estás a dar a ideia de desobedecer ao Rei? Tu, que juraste fidelidade e obediência ao Rei?
– Não, não estou a dar ideia nenhuma – argumentou o jovem soldado, temendo que a sua cabeça fosse a próxima a rolar – estava apenas a pensar.
– Como te atreves a pensar? Olha o que vai acontecer ao conselheiro por pensar. Vai ficar sem cabeça...
Quando os soldados chegaram ao topo do monte, o sítio onde as cabeças dos que enfureciam o rei eram cortadas, o velho conselheiro riu-se e disse:
– Mais vale, ficar sem cabeça, que viver uma vida triste.
À noite o jovem soldado recordou com tristeza o conselheiro. Pegou num cadernito onde escrevera todos os conselhos que levaram à morte o conselheiro e também a frase proferida momentos antes da morte. Depois, escondeu muito bem o cadernito.
– No dia seguinte, o Rei ordenou aos soldados que procurassem um outro conselheiro, um que fosse bom, e ser bom era dar conselhos que agradassem ao Rei.
Passados dias, chega ao castelo um jovem que se propõe a conselheiro.
– O primeiro conselho é deixarmos de utilizar essa linguagem tão nobre. Falemos então no presente do indicativo... Um Rei tem que ser moderno, o povo tem que acreditar que o Rei gosta tanto do seu povo que até usa as suas falas... (até porque isto, mais tarde, vai dar uma trabalheira a quem escrever esta história).
– Hum, hum... Eu sou o Rei. Como posso usar as falas do povo? – interroga o Rei, já nervoso, e às voltas à mesa. Está-me a parecer que a tua cabeça também vai rolar.
– Senta-te, que o tapete é novo e, ao que já me constou; em armazém só ficaram novecentos e noventa e oito tapetes.
- Mas para que queres tantos tapetes? Os barcos deveriam ir cheios de coisas feitas pelo povo e voltar cheios de ouro... Um rei que se preze tem que ter muito ouro.
– Essa ideia do ouro agrada-me – o Rei estava agora já mais calmo – MUITO OURO, um trono de ouro, uma cama de ouro, pratos, copos e talheres de ouro, roupa de ouro... Terá este castelo tanto ouro, que irá brilhar mais que o Sol. Continua conselheiro.
– Estou ali a ver um quinhão de terra por cultivar – diz o conselheiro, olhando da janela – Não pode ser assim. Temos que dar a isto uma grande volta...
– Não sei o que se passa. Eles andam tristes, não querem trabalhar e até se revoltam...
– Mas isto não pode ser assim. Tens que pagar um salário aos trabalhadores... dar um dia de folga... eles têm que ter dinheiro para gastar... não sei se estás a ver bem a coisa. Se tiverem dinheiro, vão logo gastá-lo, a comprar porcarias, logo as fábricas terão que produzir mais... sim, vamos pensar nas batatas, mas também pensaremos nas fábricas, mais produção, mais consumo, mais impostos...
– Mais impostos, mais ouro para mim – concluía o Rei esfregando as mãos de contentamento. Mas como vamos convencer o povo a produzir alegremente?
Agora era o conselheiro que dava voltas à mesa e, ao fim de muitas horas, já o tapete tinha um colossal buraco, exclama:
– Já sei! Vamos fazer escolas para todos, espalharemos a ideia que só se pode ser feliz trabalhando... escolas para ensinarem esta máxima, escolas para ensinarem que o consumo é bom. As pessoas todas vão querer ter dinheiro para gastar em porcarias e vão trabalhar muito. Quanto mais trabalharem mais rico ficará Vossa Majestade.
Ahahahhahahahahhahahahah - o Rei rebolava no chão às gargalhadas - que ideia tão boa! Ele teria um povo feliz e seria, ao mesmo tempo, muito, muito rico.
O jovem soldado que se tinha oposto à morte do velho conselheiro, tremeu de medo perante aquela ideia tão cruel. Quando chegou a casa; apontou no seu caderninho o plano malvado do rei. Tinha esperança que aquele caderninho um dia mudasse o mundo.


(histórias sem pés, nem cabeça – Ana Paula / Liberdade)
Outubro de 2011

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