24 de fevereiro de 2012

Que cada um fale por si e por mais ninguém

"Ao contrário da solidariedade, que é horizontal e dá-se entre iguais, a caridade é de cima para baixo, humilhando aqueles que a recebem e nunca desafiando as relações de poder implícitas." - Eduardo Galeano

A militância altruísta anda-me a provocar uma urticaria que se tem agravado. O altruísmo, principalmente aquele associado à caridade mas não só, está profundamente ligado a uma moralidade de culpa que leva o individuo a deslocar-se do seu espaço de conforto para agir sobre uma realidade que não é nem deseja que seja a sua, materializando o seu relacionamento com os outros, consciente ou inconscientemente, numa relação de poder pela dádiva. O altruísta é, por exemplo, aquele que tem fortuna e ajuda o que nada tem. Contrariamente, o que nada tem e que procura ajudar outro na mesma condição não é normalmente designado de altruísta mas antes de solidário porque a moralidade subjacente a esta acção não é necessariamente a mesma. Não estou a rejeitar o assistencialismo altruísta nem o papel que eventualmente tem em situações de emergência, simplesmente não me interessa como acção política, aliás, sou eticamente contra a utilização do altruísmo como estratégia política. Eticamente, eu estou vinculado aos meus compromissos com outros. Não faço compromissos com um éter divino nem com abstracções sociais tais como o povo, a comunidade ou a sociedade mas com aqueles a quem estou associado. Com esses desenvolvo acções pela defesa das minhas convicções e pelas nossas convicções colectivas. Chamo colectivo ao resultado das vinculações de uns indivíduos a outros e à identidade que daí resulta. Assim, eu confronto e negoceio com o colectivo na busca dum consenso que melhor sirva os meus interesses e os interesses dos outros porque sem este consenso o colectivo é apenas um conjunto de fragmentos individuais, sem identidade e sem existência efectiva. Não tenho qualquer compromisso com uma massa amorfa e abstracta chamada povo, mas estou solidário com todos aqueles que defendem a luta por eles próprios, pelas suas convicções e pelos seus compromissos éticos com os outros.

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