4 de janeiro de 2012

Entre o ‘pagamos e depois logo se vê’ e o ‘não pagamos até ver’, vai uma grande distância


O Bush invadiu o Iraque argumentando que havia armas de destruição massiva, não se preocupando em apresentar provas; afinal não havia e o povo iraquiano PAGOU e caro pelo que não devia; e não consta que será indemnizado.

Se um banco ou alguém me apresentar uma conta ou uma factura eu só pago se não tiver dúvidas sobre as razões da dívida e sobre os montantes exigidos; se tiver, exijo comprovativos pois, sem isso nem um cêntimo desembolso. Aliás, se pagar levianamente, isso é a assunção de reconhecimento da dívida e não parece que uma reclamação posterior junto dos tribunais seja solução prática.

Por outro lado, quando se fala do Equador como procedimento exemplar, sabe-se que os bancos credores só cederam perante uma posição de força do Correa. E ele disse, “não pagamos enquanto auditamos a dívida”; e depois de ter descoberto as vigarices e as renegociações mais ou menos impostas e consentidas pela oligarquia anterior ao Correa, obrigou os bancos a cederem e “esquecer” parte substancial da dívida.

É claro que nas condições actuais em que temos um governo gerido por um gauleiter da Frau Merkel, qualquer esforço de auditoria pode trazer pontualmente aspectos indiciadores de trafulhices; as ppp, as obras a mais, etc. Mas uma coisa são indícios, outra são comprovativos; e mesmo perante comprovativos, sabemos todos o respeito que por aqui há pelas leis, mesmo constitucionais, e a qualidade do funcionamento da máquina judiciária. Por isso costumo chamar a “isto” a que ainda se designa por Portugal, uma cleptocracia.

A dívida é a parte mediática e visível de um grande icebergue que se chama Estado português. E este está inserido num capitalismo global, numa tradição lusa de canibalização por parte de um patronato nativo inepto e ignorante, numa simbiose Estado-capitalistas muito mais avançada hoje, do que décadas atrás. E apontar exclusivamente para a dívida e esquecer o funcionamento global desse Estado, o papel do corrupto mandarinato, a opacidade sistémica que lhe é inerente não trará grandes resultados. Ou melhor, terá, pois ocultará que o problema aqui é o sistema e não a crise da divida.

É evidente que na esquerda portuguesa há uma errónea ideia de que “o Estado somos nós”, quando de facto o Estado “são eles” que estão, por sistema, contra nós.

Outro aspecto interessante são as declarações desastradas do José Gusmão e da Ana Benavente quando referem que a auditoria será terminada dentro de seis meses. Querem afirmação mais descredibilizante? Não acredito que tenha sido por ignorância. Porque será?

Grazia Tanta, Dezembro 2011, FB do IAC

1 comentário :

  1. em http://cadpp.org/node/177 tb há uma reflexão importante, na qual se pode ler: "(...) Para começar, ajuda-nos a situar com maior precisão as ambições e a missão das campanhas pela auditoria da dívida pública que estão a nascer um pouco por toda a Europa. De facto, a impossibilidade «objectiva» de termos «Correa» europeus traduz-se na impossibilidade de as auditorias independentes penetrarem os segredos de Estado das suas dívidas, ou seja, de terem acesso a todos os documentos necessários à identificação da parte ilegítima (e escandalosa) da dívida. (...)"

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