13 de janeiro de 2012

É possível um partido revolucionário?

No chamado campo da esquerda, muita gente vai clamando pela desgraça que é a inexistência de um Partido Revolucionário. Muitos fazem mesmo depender a hipótese da liberdade política da existência de tal maquinaria: sem um partido que confira direcção e inteligência às lutas das massas, a revolução e a liberdade política (a participação de todos os cidadãos na gestão da coisa pública) são inalcançáveis. Ora, importa examinar a pertinência de tal desejo e, para isso, necessitamos de saber se um partido revolucionário é possível e desejável.


Um partido é um grupo organizado de pessoas que partilham opiniões idênticas relativamente a algumas questões fundamentais da vida das comunidades e assenta em dois pressupostos fundamentais: (1) que interesses idênticos produzem necessariamente ideias e objectivos idênticos e (2) que é necessário um órgão para esclarecimento e direcção das massas.


A falsidade do primeiro pressuposto vê-se intuitivamente: a experiência mostra exactamente o contrário, que pessoas diferentes em situações idênticas defendem soluções diferentes para problemas idênticos e que só o “fazer em comum” e o debate franco e aberto produzem consensos e uma cultura favorável à liberdade e à justiça social. Ora, por razões de eficácia – qualquer militante conhece a afirmação de que só um partido forte e coeso pode ser eficaz na defesa dos interesses nele associados - o partido tende a preservar o núcleo “ideológico” em torno do qual foi organizado, inibindo necessariamente a discussão (a revisão permanente da ideologia é insuportável) e impondo uma interpretação canónica dos textos fundadores apenas questionável pelo sínodo dos bispos (perdão, da direcção). Também ao nível da acção, as necessidades de coesão e eficácia impedem o movimento espontâneo e inibem a auto-organização das massas, reduzindo as respostas políticas àquelas que o partido, na sua imensa sabedoria, considera úteis ou necessárias à estratégia por si delineada. Mais, qualquer esboço de movimento não autorizado pelo partido tende a ser considerado traição: atrapalha e conduz à regressão do estado em que o movimento se encontra, dizem suas excelências burocráticas. Daqui nasce a necessidade de tudo controlar e a todos os lados fazer chegar o domínio do partido, enquanto os seus interesses se elevam acima dos interesses das populações, tornando-se os próprios militantes simples instrumentos de uma guerra que já não é sua.


Imposto o dogma e a “unidade da acção”, os seguidores ficam inibidos de procurar o seu próprio caminho, o que potencia a exclusão (dos não iniciados) e a cisão (dos recalcitrantes). Nestas condições, o partido garante a sua coesão através de mecanismos policiários: os estatutos, que regulam as admissões e as exclusões, as sanções disciplinares e as condições e limites a observar na revisão dos textos canónicos.


O segundo pressuposto, que mais parece ser uma consequência do primeiro, envolve uma contradição: se, como dizia Séneca, dirigir é comandar e seguir é obedecer, defender a necessidade de um partido que dê inteligência e direcção às lutas das massas, implica defender que as populações não conseguem tomar em mãos a tarefa da sua própria libertação “sem alguém que mande”, dependendo a revolução de um corpo iluminado que, em nome das massas e em sua substituição, a realiza, tomando e gerindo a coisa pública: a ditadura do proletariado é realizada pelo partido do proletariado. Portanto, se o Partido revolucionário é necessário, a revolução é impossível, excepto se a reduzirmos à mudança violenta de governo.


A exposição precedente mostra com clareza as razões pelas quais os partidos tendem a tornar-se estáticos e procuram reconfigurar a realidade para que caiba nas suas necessidades.


Como a função do partido é tomar e gerir o poder, deve para isso estender a sua influência a toda a sociedade e mantê-la “na senda do comunismo”: a liberdade não é pensar e agir por si mesmo mas submeter-se aos ditames do partido (os insubmissos são declarados como possuídos pelo espírito burguês e ganham um bilhete de ida com volta condicional para um “campo de reeducação”).


Mesmo nos regimes pluripartidários, o poder exercido por um partido significa o domínio de uma minoria: a direcção do partido (ou do grupo social que a controla); sendo a diferença maior entre os regimes ditos democráticos e os de partido único, a quantidade de coisas permitidas e a existência naqueles de mecanismos que geram a ilusão de liberdade.


Parece, pois, que o partido é um obstáculo à liberdade política e o partido revolucionário um obstáculo à revolução: o poder do partido implica sempre a abertura de um novo ciclo de dominação… por isso as revoluções nunca trouxeram a liberdade, independentemente da quantidade de escolas e clínicas que conseguiram construir. O falhanço das revoluções na realização da sua tarefa magna, a emancipação das populações, deve-se à natureza própria do partido, que reduz a actividade das massas às paradas comemorativas da revolução, por incompatibilidade com a sua auto-organização.


Portanto, o partido não é útil nem necessário, e o Partido Revolucionário não é sequer possível.

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