9 de novembro de 2012

Morreu

Súbito d’ante os olhos se apartou.
Desfez-se a nuvem negra e cum sonoro
Bramido muito longe o mar soou.”
(Camões)
Morreu, espalhem a notícia, não sei quem o matou, se foi a criança ou o velho, se foi o doutor ou o operário, sei que está morto.

- Está morto!
- Morto? Tem a certeza?
- Morto e enterrado.
- Como foi?
- Pois não sei! Se com sete facadas ou nove, se estrangulado na noite, se um tiro perdido mas certeiro… Mas espalhem, espalhem a notícia.

Desci a calçada a correr, espalhando a notícia aos sete ventos.

- Está morto – disse a professora, e soltando uma gargalhada acrescentou – posso finalmente dar a aula. Mas, tens a certeza que está morto?
- Sem qualquer dúvida, a notícia veio de Lisboa… Até já o enterraram!
- Ó senhor Doutor, já sabe quem morreu?
- Sim já ouvi dizer, e a ser verdade tenho muito que fazer – Posso finalmente tratar dos meus doentes.
- E eu vou estudar – diz o estudante – nem posso acreditar que acabaram aquelas noites infernais.
- Espalhem a notícia, espalhem a notícia…
- Já avisaram a Madame?
- Óhh nãooooooo! E agora quem me lava o chão? – Lamenta a madame.

E a notícia espalhou-se, bem certo que esta agradava a muita gente, mas – mas porque há sempre um mas – houvera quem não ficasse contente.

- Morreu? – O banqueiro não queria acreditar.
- Pois morreu, sou eu que lhe digo. Pode pegar nos seus trapinhos e zarpar daqui.
- Com quem pensas tu que falas? Ainda há autoridade! Pois bem, deixa-te estar aí que eu vou chamar a polícia.
- Esteja à sua vontade, já lhe disse que morreu. Morto e bem morto! Com 7 palmos de terra em cima.
- Está lá, é da polícia? Façam o favor de cá vir, tenho aqui um arrogante, a fazer-me frente… E venham com urgência!
- Como podemos ir? Ele morreu! – Responde do outro lado o polícia.
- Cambada de idiotas… Eu ordeno! Venham cá rapidamente!
- Ordene à vontade, mas eu se fosse a si zarpava… E agora se me permite vou ali informar o senhor Prior.

Fui até ao largo, entrei na igreja e passei pelo prior. Subi a escada da torre.

- Onde pensa que vai? – Pergunta o pior.
- Subir à torre, tocar o sino a rebate, para que o mundo inteiro saiba da notícia.
- Mas que foi que aconteceu?
- Foi ele que morreu.
- Paz à sua alma, que Deus o receba, mas diga-me lá quem morreu?
- O Medo morreu.
- Morreu? Mas como foi isso? É trágico! E agora quem vai para o inferno? – Desesperado o prior começa a gritar – Quem permitiu isto? Como foi possível? Que será de mim?

Os sinos tocavam agora a rebate. Toda a gente ficou a saber que o Medo tinha finalmente morrido.

Do cimo da torre pude ver, o banqueiro, a madame, o prior, o polícia e o militar que de rabinho entre as pernas abandonavam o país.


Liberdade
3 de Outubro de 2012

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